quinta-feira, 10 de março de 2016

"Senhor fremosa, pois me non queredes" / "Ó meus castelos de vento" / "Coitado quem me dará"



Senhor fremosa, pois me non queredes
creer a coita'n que me ten Amor,
por meu mal é que tan ben parecedes
e por meu mal vos filhei por senhor,
e por meu mal tan muito ben oí
dizer de vós, e por meu mal vos vi:
pois meu mal é quanto ben vós havedes.

E pois vos vós da coita non nembrades
nen do afán que mi o Amor faz sofrer,
por meu mal vivo máis ca vós cuidades,
e por meu mal me fezo Deus nacer
e por meu mal nom morrí u cuidei
como vos viss', e por meu mal fiquei
vivo, pois vós por meu mal ren non dades.

Desta coita en que me vós tẽedes,
en que hoj'eu vivo tan sen sabor,
que farei eu, pois mi a vós non creedes?
Que farei eu, cativo pecador?
Que farei eu, vivendo sempre assí?
Que farei eu, que mal día nací?
Que farei eu, pois me vós non valedes?

E pois que Deus non quer que me valhades
nen me queirades mia coita creer,
que farei eu? Por Deus, que mi o digades!
Que farei eu, se logo non morrer?
Que farei eu se máis a viver hei?
Que farei eu, que conselh'i non hei?
Que farei eu, que vós desemparades?
 Martim Soares

Ó meus castelos de vento
que em tal cuita me pusestes,
como me vos desfizestes!

Armei castelos erguidos,
esteve a fortuna queda,
e disse:– Gostos perdidos,
como is a dar tão grã queda!
Mas, oh! fraco entendimento!
em que parte vos pusestes
que então me não socorrestes?

Caístes-me tão asinha
caíram as esperanças;
isto não foram mudanças,
mas foram a morte minha.
Castelos sem fundamento,
quanto que me prometestes.
quanto que me falecestes!
Sá de Miranda

Coitado, quem me dará
novas de mim onde estou?
Pois dizeis que nam som lá,
e cá comigo nam vou.

Tod'este tempo, senhora,
sempre por vós preguntei,
mas que farei que já agora
de vós nem de mim  nam sei?
Olhe vossa mercê lá
se me tem, se me matou,
porq'eu vos juro que cá
morto nem vivo nam vou.
Sá de Miranda



CANTIGA DE AMOR
(“cantiga de mestria” de Martim Soares)
ANÁLISE DO POEMA

Estamos em presença duma Cantiga de Amor, cuja estrutura revela um grau elevado de técnica, mantendo o fluir da sonoridade da composição. É composta em decassílabos e as rimas sucedem-se de forma ordenada e musical, repetindo na 3ª. estrofe a estrutura da 1ª., e na 4ª.a da 2ª. estrofe,: - (Exº.“queredes/parecedes” e “amor/senhor) respectivamente, ao longo de toda a composição.

Quanto à história, o autor constrói um EU lírico masculino que se dirige à sua amada, que não possuiu, e com quem tem uma relação de vassalagem amorosa, chamando-a de “senhor”. Sofre perdidamente por não a poder ter só para si, e por quem se arrepende de se ter apaixonado, chegando ao ponto de perder a razão , e não saber mais o que fazer, repetindo várias vezes o seu dilema (Vrs. 17 e 18, e 24 a 28).

Esta cantiga, apesar de não ter refrão, existe nela uma repetição (“que farei eu -),
que é como uma “expressão chave” presente nos versos atrás citados. Também é constante a lembrança do seu mal: o amor que o faz sofrer”,que tem também repetição nos Vrs. 3 a 7 , e 11 a 14 “(por meu mal”).
Lendo, atentamente, o poema existem duas estrofes no Vr 3 , (a 16 e 19) que usam uma palavra que não é idêntica , mas é equivalente:

- …vivo tan sen sabor (16)
- ...vivendo sempre assi?(19)



Nas cantigas de amor é normal a vontade divina se entrepor entre o EU lírico (homem) e a sua amada, porque corriam o risco de cair em pecado.

Daí existir o “lamento de ter nascido” (versos 11 e 20, e 12 e 25):

- e por meu mal me fezo Deus nascer (11)
- que farei eu, que mal dia nasci? (20)

- e por meu mal nom morri u cuidei (12)
- Que farei eu, se logo non morrer? (25)

Neste poema existe, também, o reconhecimento de ser pecador”, Estrofe 3 Vr. 4 , - “que farei eu, cativo pecador?.”
Com esta frase, que é uma interrogação e ao mesmo tempo um desabafo,  o autor estabelece um paralelo da Vida vs Morte.


Conclusão

Se nas primeiras estrofes existe o tema da lamentação dele e o do seu sofrimento , porque a amada não acredita nos seus sentimentos, o tema continua depois a desenvolver-se sobre a causa do seu sofrimento ou“coita” (por vontade divina), e finaliza com o seu desespero por não ter uma resposta para a triste situação em que se encontra, sentindo-se completamente desamparado pela sua amada.

Azeitão, 28-2-2016
Carmo Bairrada

“QUEM ME DÁ NOVAS DE MIM”

Teimosamente teimando
Não vou lá nem fico aqui,
Fico comigo pensando
Se estou cá ou se parti!

Se nem sequer sei de mim
Que me serve perguntar
Por vós, ou qual será o fim
Ou se vos vou encontrar?

Podeis falar e teimar
Mas senhora, nem eu sei
Se este amor me vai matar
Ou se às vossas mãos morrerei!

Quem me irá encontrar
Quando tão perdido estou,
Se vós me não quereis achar
E nem eu sei onde estou!...


Elita Guerreiro * 9/3 /2016

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