segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

"O Jantar do Bispo", análise por Carmo Bairrada


*O JANTAR DO BISPO*
Trajetória e Estrutura Narrativa do Conto de Shophia de Mello Breyner Andresen através da Casa e dos comportamentos das suas Personagens

CASA DE SOPHIA: Porto - Quinta do Campo Alegre – Foi adquirida pelo seu Avô no ano de 1895 e esteve na posse da Família Andresen até 1949. Hoje está integrada no Jardim Botânico do Porto e tornou-se um Espaço Cultural da Cidade, aberto ao público desde 2011.

1ª. PARTE (A Casa)

A). – Descrição da Casa-: GRANDE, BRANCA, ANTIGA

Características Materiais
- O Tamanho e a Cor

Características Temporais
- Antiga

-  Os três adjetivos revelam a solidez física da casa e dos seus habitantes 


B) – Enquadramento da Casa

- Em frente à Casa - Pátio Quadrado (forma geométrica);

- À direita - Um Laranjal e uma Fonte onde corre água dia e noite
(Símbolo - de Cor e Movimento);

- À Esquerda - Um Jardim de Buxo, Húmido e Sombrio com Camélias e Bancos
de Azulejos
(contraste - de Cores e Texturas);

- A Meio da Fachada - Descia uma Escada de Granito coberta de Musgo
(o Musgo simboliza a Antiguidade, é um Ícone da paragem no Tempo);

Frente à Escada -Do outro lado do Pátio, existia um Grande Portão que dava
para a Estrada
Transição entre a Casa e o Mundo – (Símbolo - de Movimento).

O espaço visto das Janelas
- Em 1º. Plano: - os Pomares e os Campos
- Em 2º. Plano: - o Rio, a Várzea Verde, os Montes Azulados, que em certas tardes,
ficavam roxos.
(as Janelas são aqui, também, um elemento de “transição, do Interior para o
Exterior”)
A Natureza está sempre presente, parecendo um “Quadro sem Tempo,” (definindo a
VINHA) que está relacionado com as diferenças sociais entre o mundo dos ricos, (a Vinha) e o mundo dos pobres (o Trabalho na vinha). Diz o ditado: «Quanto mais pobre é a terra, mais rico é o vinho»
 Enquanto “no exterior se falou só da Casa, no interior vai-se falar de pessoas.

O JANTAR
O Dono da Casa resolve dar um jantar, para o qual convida familiares, amigos e o Bispo
ao qual deseja fazer um pedido. “Nessa noite está uma Tempestade muito grande.
Parecia que o Caos tinha descido à Terra”; a estrada estava cheia de água e lama.
O ambiente dentro de casa era mais quente e festivo, tinha:
Conforto - (calor, da lareira acesa);
Autoridade – (o Dono da Casa ocupa uma posição central);
Proximidade – (Familiares e Vizinhos mais chegados).

Dono da Casa (Símbolo da Autoridade e Riqueza)
1.- Reclama o respeito pela ordem, tudo obedece a uma hierarquia. Para ele, o lugar
dos miseráveis fica um pouco abaixo do dos criados, um pouco acima dos cães;
2. – Vive das “aparências, do novo-riquismo e da autocontemplação”
3. – Aos sábados “dá esmola e comer aos pobres” que batem à porta, mas não podem ser daquela zona. Aos Domingos “vai à Missa”, e tem na Igreja um “banco especial para ele”.
4. – Não suporta “os sermões” do novo Padre de Varzim; “vê nele um perigo constante à sua autoridade”e pensa arranjar maneira “de se livrar dele”.

Padre de Varzim (Situa-se no Plano Espiritual)
1.- É um Padre “jovem”, acabado de chegar, “com a sotaina rota, botas velhas e cabelo ao vento”.
2.- Abandonou “a riqueza para ser pobre” e “reclamar direitos e regras” para todos aqueles que são explorados pelos ricos.
3. – Contrariamente aos padres anteriores, caracteriza-se pela sua “caridade, piedade e generosidade”.
4. – Nos sermões de Domingo, “fala duma justiça, que não é a justiça do Dono da Casa”.
Estas duas condutas levam ao elemento fundamental: a “Intriga” entre os dois, que para o Dono da Casa se torna uma grande dificuldade a ultrapassar, que é tanto maior, quanto “a fama do Padre de Varzim é grande”. (Simbolicamente, é uma batalha entre “o Bem e o Mal”)

O Bispo
Viaja vagarosamente, dentro do seu carro, vai a caminho do jantar pensando na forma como deve abordar o Dono da Casa, para lhe fazer um pedido. Está uma noite de Inverno com “chuva e lama”, o que o leva a dirigir-se à Casa, pesado e lentamente, mas ainda consegue “comover-se” com a beleza pura e antiga das paredes e pedras.

1.-Está numa situação “paralela à do Dono da casa”;
2.-Ele tem também “um pedido a fazer”;
3.-Pedir é uma coisa difícil, principalmente quando se trata “de pedir ao Rico e Poderoso”;
4.- Tenta “angariar fundos” para o restauro do tecto da igreja;
5.- Tem uma estratégia, que consiste “em estimular a vaidade” do Dono da Casa;
6.- “Lamenta” recorrer a tal recurso.

Quando a conversa entre o Dono da Casa e o Bispo ia começar, surge um novo acontecimento: a chegada “estrondosa e estranha” dum desconhecido, cujo carro avariou, junto ao portão quando seguia para a cidade. Então, o Dono da Casa convidou-o para ser seu hóspede e jantar.

Homem Importante (Símbolo do DIABO)
1.- Vem num carro preto e sumptuoso”; é “alto e direito, com sobretudo escuro”;
2.- “Indiferente” à chuva, atravessa o pátio;
3.- “Causa grande efeito” nos convidados”;
4.- Ao jantar faz“ um discurso sentencioso”, que todos ouviram suspensos;
5.-.Graças à sua “argumentação, consegue a resolução da Intriga”, como se fosse um hábil advogado. (nota: enquanto o Dono da Casa ficou feliz, o Bispo sentia o espírito confuso e pesado)

Dois Cheques de 50 contos foram passados. Um pelo Dono da Casa, o outro pelo Homem Importante, e assim fecharam o negócio”:

- “Tecto novo na Igreja”
- “A venda do Padre de Varzim” (a transferência do padre para outro lugar)

O Filho do Dono da Casa
Para o João, uma criança de 9 anos, o Homem Importante só existe enquanto “sombra ameaçadora”.O João “não gosta daquele homem”, que só enchia os tectos “assemelhando-se a um Polvo.” (estas imagens só a criança via) Nessa altura, o Homem Importante, sabendo que criança não gostava dele, diz-lhe: - “Quando fores mais velho, talvez venhas a gostar de mim”.

2ª. PARTE (Na Cozinha)

OS CRIADOS
Gertrudes – (A cozinheira)
- Hostil, Autoritária e Desconfiada
Joana - (A criada Idosa)
- Acolhedora e Vencida

Criados da sala - (Homem e Mulher)
- Submissos (seguem à risca todas as ordens da casa)
Criada de Quartos
- Amarga e Resmungona

Lá fora, a Tempestade continuav
- Relâmpagos e Trovões ribombavam -
-
O Pobre - (Símbolo de DEUS)
Bate à porta da Cozinha, o que deixa Gertrudes irritada, pois já tinha arrumado e limpo tudo, e além disso “a esmola e a comida só eram dadas aos sábados”, mas mandou-o entrar e indicou-lhe o lugar dos “mendigos”, perguntando-lhe ao que vinha. O Pobre queria falar urgentemente com o Dono da Casa, vinha da parte do Padre de Varzim.
Pediu a todos os Criados e “Todos lhe negaram o pedido”: tinham visitas pelo que o Dono da casa não podia ser interrompido;

A TROVOADA – “Aumenta progressivamente “a cada negação” que o Pobre vai recebendo, ao ponto do Criado da sala lhe dizer: «”O Mundo é como é, temos de ter paciência». (Símbolo - a “Submissão”)
Até a própria Gertrudes diz: «escusa de pedir mais, já viu que ninguém o atende».
Neste momento, um relâmpago enorme deixa toda a casa sem luz, e a velha criada Joana assusta-se, e inicia uma reza, “a Magnífica”, e põe em primeiro lugar a personalidade do Pobre, que era a única pessoa, que lhe preenchia as falhas de memória.
João, filho do Dono da Casa, partilha a beleza do relâmpago e o crescente medo que vai sentindo.
Quando João chega à cozinha, “a trovoada afasta-se” (Símbolo - da Bondade e Inocência da criança).
Ele é o único que aceita levar o recado ao pai, (é uma atitude positiva). Nesse momento dá-se o regresso da Luz, (faz com que a criança veja de novo a sombra do Homem Importante), e regresse ao Medo, que tem dele.
Mesmo com a interferência do Bispo, o Dono da Casa não aceita o pedido insistente do filho para ir falar com o Pobre, (representa uma “negação”)
O Pobre resolve abrir a porta e ir embora, sem ter tocado no que lhe fora servido.
A reflexão final de Joana “também Deus não recebeu confirma o Simbolismo do Bem e do Mal, que se encontra na referência à “Alegoria Bíblica Caim/Abel.”

3ª. PARTE (O Bispo vai a caminho de sua casa)
- Sentia a sua “Mente obscura” (Símbolo- Peso e Confusão)
- Sentia-se “Só entre os Homens (Símbolo - o não saber lutar no Mundo dos Negócios);
- Não sentia nenhum “sinal” que o ajudasse (Deus estava Oculto e Velado);
- O seu “estado de Alma” era negro como negra era a Estrada (Símbolo - das “Trevas”);
- Vai “torturado pelo remorso,” (Símbolo - a Curva da Estrada) pois tinha achado estranha a forma como o Homem Importante o ajudara a resolver o seu assunto, “estando de acordo em retirar o Padre da aldeia;
- Depois da curva, a estrada era a direito (Símbolo - da Lisura ou Honradez);
- Na estrada ,um pouco ao longe, vê um “Vulto” que identifica como sendo o “Pobre esfarrapado” que esteve na Casa Grande, para falar com o Dono da Casa;
Pára o carro, e chegando-se ao vulto, o Bispo olhou-o. Era um homem igual a tantos outros, trazia a fome estampada na cara. Nas mãos havia um gesto de paciência, parecia ao Bispo que todo o Abandono, toda a Solidão e todo o Sofrimento do Mundo olhavam para ele, então baixou os olhos, e ao levantá-los ia perguntar se queria boleia para a aldeia, que ainda era longe… “ficou perplexo,“ deixou de ver a figura, ela esfumara-se, tinha desaparecido

«DEUS no Céu teve dó daquele Bispo, porque ele estava “só e perdido” e, não sabia lutar contra os hábeis discursos dos donos do Mundo.»


FINAL DO CONTO
O Bispo volta para trás e leva o carro até á Casa Grande, para junto do dono denunciar a acusação de que nessa noite fora vítima o Padre de Varzim afirmando, que “o próprio Deus veio ser sua testemunha”. O Dono da Casa não acreditava nas palavras, que ouvia, o Bispo queria desfazer o pacto e devolver os dois cheques, provocando “o furor, o espanto e a indignação do Dono da Casa”. Este encarregou um criado de ir chamar o Homem Importante, mas tanto ele como o motorista e o carro tinham desaparecido, o mesmo acontecendo com o cheque que ele próprio tinha dado ao Bispo. Toda esta situação cria inquietação e mau estar no Dono da Casa; todos os criados procuram o dito cheque e crêem que «o Diabo o levou».

CONCLUSÃO
«Tudo o que se passou neste conto representa um Duelo entre os Valores de Progresso e os Valores impostos pela Tradição.»

Ou:

No imaginário da Autora, será «Uma “Alegoria” da luta entre Deus e o Diabo ou a luta entre o Bem e o Mal.»

Madeira, 22.01.2016

Carmo Bairrada

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