terça-feira, 4 de abril de 2017

Animais (inéditos: contos), por Elita Guerreiro


JOSUÉ, O GATO CULTO

Josué era apenas uma pequena bolinha de pêlo branco, quando o casal de livreiros o adoptou. Cresceu depressa e rapidamente tomou conhecimento com as grandes estantes carregadas de livros. Traquina, corria sem parar, arqueando o dorso e escancarando os grandes olhos azuis, que mais pareciam dois lagos tranquilos brilhantes! Impossível é contar as vezes que o gato Josué, nas suas correrias, atirou ao chão os mais célebres nomes da literatura: Aquilino Ribeiro e a Casa grande de Romarigães, Fernando Namora e Os Adoradores do Sol, Júlio Dinis e a Morgadinha dos Canaviais e outros… Cansado, ronronando, vinha dormitar tranquilamente sobre a mesa de trabalho do velho livreiro, onde Os Lusíadas há anos permaneciam sobre o cavalete abertos no Canto V! Muito culto o gato Josué, com quem o dono conversava de literatura e não só!... Ambos velhos, passavam longas horas dormitando sobre a velhinha mesa de trabalho, junto a Os Lusíadas, cuja encadernação era o orgulho do velho senhor! Os cabelos brancos do dono juntavam-se à brancura daquela bola de pêlo! Um dia,ambos deixarão de estar presentes entre a poeira das longas estantes!
Até lá, Os Lusíadas vão testemunhando a grande amizade que os une e as longas sonecas sobre a velha mesa de trabalho da não menos velha livraria!

Elita Guerreiro *24/2/2016.



REGRESSO À NORMALIDADE

Naquela manhã quente de Verão, o silêncio era absoluto, na pequena quinta. Quando o autocarro veio buscar as crianças para a escola, o Piloto não os acompanhou ao portão, nem veio ladrar ao autocarro
como era costume. Preocupados, o senhor Tomé e a senhora Joana
depois de o terem chamado várias vezes, foram procurá-lo. A mulher lembrou: o Pimpão ainda não cantou hoje! O Pimpão era um galo grande de vistosas penas de muitas cores e uma bela crista vermelha.
Era o rei da capoeira. Um buraco na rede junto ao chão explicava o motivo do silêncio do cantor. Algum dos trabalhadores da quinta esquecera de fechar bem o portão e fora por ali que os dois fugiram.
O Piloto tinha sido adoptado pelos donos da quinta e pelos dois netos,
que se afeiçoaram ao seu olhar meigo e ar bonacheirão. Era um cão muito amado. Por isso quando a dona se convenceu da sua fuga, levou
aos olhos a ponta do avental, limpando uma lágrima de tristeza, lamentando:
- Tratámo-lo com tanto amor e o ingrato deixa-nos!
- Ele vai voltar, acredita. Vou avisar o pessoal para ter mais cuidado com o portão, quando saírem.
- Ora homem, depois de casa roubada trancas à porta! – respondeu, triste, a senhora Joana.
Com o passar dos dias, embora não esquecessem o fugitivo, tudo voltou à normalidade. Uma tarde, estava o casal a regar a horta e as crianças a brincar à sombra da grande árvore, quando ouviram ladrar junto ao portão. Em alvoroço, correram para lá. E era o Piloto, sim senhor! Mas não vinha sozinho… Com ele vinha uma linda cadelinha e dois cachorrinhos. Eram uma ternurinha, as crianças ficaram maravilhadas!
- Sim senhor, seu fugitivo, sai um e entram quatro! - falou o senhor Tomé, sorrindo feliz.
- Agora, mulher, é ração a dobrar para esta pandilha…
 Na capoeira, um galo cantou, como se desejasse tomar parte naquela festança. Não, não era o Pimpão. Esse nunca mais voltou, mas o seu lugar foi ocupado por outro cantor de voz cristalina e belas penas coloridas. Voltou a haver animação na quinta: risos de crianças, o cantar alegre dum lindo galo e as correrias loucas dos cachorros que não davam descanso aos pais e acompanhavam as crianças nas suas traquinices.
Tudo está bem quando acaba bem!...
Digo eu…


Elita Guerreiro* 15/3/2018




 Era uma vez…
Um gatinho siamês.
Que estava apaixonado
Pela gatinha do lado
Branquinha, muito formosa,
E que se chamava Rosa.
Não vinha à rua brincar
Para o pêlo não sujar.
Dizia o Ron-Ron, de cá
 - Anda, Rosa, salta lá,
Vamos passear na rua,
Vem admirar a lua
E como é lindo miar
Sob a luz do luar!
Mas nada a convencia…
Até que um belo dia,
Foi o Ron-Ron ter com ela.
Lesto, saltou para a janela,
Mas a vizinha zangada
Assentou-lhe uma vassourada.
- Desaparece, rafeiro,
Vai lá para o teu pardieiro!
Então o rafeiro era eu
De olhos da cor do céu,
Eu, um siamês de raça?
Claro, não achei graça,
Fiquei até ofendido,
Pois não fazia sentido
Tal maneira de agir!...
Por isso, antes de fugir,
Fiz ver àquela ingrata
Que era apenas pela gata
Que saltara para a janela
E voltava outra vez por ela.
Mas, naquela confusão,
Atirei um vaso ao chão…
Não o fiz por vingança
Mas sim por ter esperança
De chamar a atenção
Da minha grande paixão.

Não pulo mais a janela,
Mas ainda gosto dela…

Elita Guerreiro 9/3/2018


A LENDA DA RAPOSA 


Entrava na capoeira
E saía quando queria,
Velha raposa matreira
Roubava e desaparecia!
Tinha o pêlo cor de fogo,
Atrevida e desonesta,
Um dia perdeu o jogo
E acabou-se-lhe a festa.

O dono da capoeira
Preparou-lhe uma cilada
E a raposa matreira
Caiu nela sem mais nada.
Aflita, estrebuchou
A raposa cor de fogo,
Mas nunca mais roubou.
Acabou, perdendo o jogo.

Que grande susto apanhou!
Ao ver-se livre, fugiu…
E nunca mais voltou
E ninguém mais a viu…

         Elita Guerreiro---20/7/2012



A CAROLINA E O CARACOL

É manhã de nevoeiro.
Na parede do quintal,
Um pequeno caracol
Vai trepando devagar!

Vai em busca do sol,
A manhã está gelada!
Tem frio e não tem cachecol
Tem fome, não comeu nada!

- Carolina, está na hora!-
Chama o Pai do portão!
Esquecida da escola
Fica ali, pregada ao chão!

Ao voltar, a Carolina
Quis saber se o caracol
Esperava lá em cima
Quentinho, gozando o sol!?...

Mágica, é a memória
Este brilho de esperança,
A construção duma história
No olhar de uma criança!


Elita Guerreiro * 5/12/2018

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